17.9.11

DE QUANDO VIVI NA PENÍNSULA...

O texto de hoje deixei a cargo de João Aurélio, um nordestino brasileiro, que um dia migrou a Portugal, e hoje está de volta a seu país. Achei por bem deixa-lo falar, principalmente porque tenho dificuldades em analises sobre o que ocorre em Portugal por razões pessoais, emocionais dentre outras. Assim acho válido saber através de uma óptica distinta a opinião de alguém que sonhou, emocionou-se, decepcionou-se e enfim tem muito a contar......

Por João Aurélio*

Ao ser convidado a escrever um artigo para esse blog, o Lusitânia, pensei numa infinidade de assuntos sobre os cinco anos que vivi em Portugal. Entretanto, é importante, antes de qualquer coisa, falar sobre a lição que aprendi a qual condiciona todas as demais análises que eu possa fazer por ter vivido naquele país: é o fato de ter percebido que brasileiros e portugueses, como quaisquer outros povos modernos, apesar de terem acesso à muita informação (por jornais impressos, internet, TV, rádio, etc.), vivem isolados pela própria informação que consomem. As pessoas são conduzidas a pensar da forma em que os que mandam na mídia hegemônica desejam. Raramente há opinião dissonante. Quando há, não existe aprofundamento do debate.

Quando morava em Portugal, acompanhava pela media os debates sobre a crise da zona euro. Os debates eram sempre o mais do mesmo. Nos debates que acompanhei no “Prós e Contras”, os ex-presidentes da república e economistas do próprio sistema mais divagavam, do que aprofundavam as questões relacionadas com a crise da zona euro.

Para ver uma opinião dissonante, já acostumado ao que acontece no Brasil, fui pesquisar noutras fontes – pequenos blogs, artigos de outros pensadores, entrevistas, etc. Nesses veículos encontrei as opiniões fora do sistema de poder vigente.

O sistema condiciona o entendimento das pessoas. Para exemplificar isto, lembro de amigos portugueses que ao falarem das dificuldades que o país enfrentava, quando as associavam às suas próprias dificuldades, usavam exatamente o termo empregado pelos media hegemônicos: “existe uma crise mundial”. Lembro que chamei a atenção que a crise não é mundial. Esse termo é inventado para procurar afastar os comandantes da nau portuguesa da responsabilidade que lhes compete. É uma artimanha da media para não incriminar os que de facto são responsáveis pela crise européia.

Prova disso é que o Brasil deve crescer em média nos próximos anos, acima de 4% ao ano, assim como tem crescido a China bem acima disto e a América Latina, no geral, tem tido boas taxas de crescimento. Então, onde está a crise mundial? A crise é Ianque e Européia, isso não quer dizer que os demais países não se possam contaminar. Portanto, é uma crise setorial que, eventualmente, pode contaminar o Brasil ou qualquer país, se não acertarem a mão na economia.

Visto isso, podemos pensar qual o caminho que Portugal poderia seguir. Obviamente, como não sou especialista, não tenho nenhuma fórmula. Mas, como curioso que quer entender o que se passa no país no qual morei, meti-me a ler sobre esse assunto e cheguei a algumas conclusões.

A crise e as possíveis soluções, relacionam-se muito com a geografia de Portugal. É a máxima: Diz-me onde vives e dir-te-ei quem és. Isto quer dizer que o acento geográfico no qual vivemos, é um dos condicionantes do nosso pensamento. Qualquer povo é em alguma medida, condicionado a pensar o que a sua condição geográfica lhe remete, por isso, os que têm condições afins formam os grandes fóruns internacionais, a exemplo dos naftas, Ues e Mercosus da vida.

A media hegemônica encaminhou os portugueses a pensarem que a solução está na continuidade da política de “austeridade” econômica comandada pelos países mais fortes da comunidade européia. Isto fez de Portugal refém da União Européia, que é capitaneada por Alemanha, França e Inglaterra.

Os comandantes da nau portuguesa, têm escolhido – se é que eles têm escolha – seguir pelo istmo de encontro aos vizinhos. Foi o que fez o então Primeiro-Ministro José Sócrates, e sem nenhuma surpresa de minha parte, é o que tem feito o atual Primeiro-Ministro Passos Coelho. Ambos escreveram a política económica a seis mãos com Merkel e Sarkozy. Quando eu estava em Portugal, já dizia aos meus amigos portugueses que aquelas “soluções” mencionadas na comunicação social, me traziam péssimas recordações de quando o Brasil vivera (e ainda vive, até certo ponto) refém dos EUA por tantas décadas, quando também os chamados “pacotes económicos” eram escritos a quatro mãos.

Portugal e Espanha, geograficamente, formam uma península, que é caracterizada por uma porção de terra cercada em parte por água, ligada ao continente por uma estreita faixa de terra. Quem sabe se o caminho a seguir pelos portugueses, em vez de andar pelo istmo terrestre e ser conduzido pelos alemães, franceses e ingleses, não seria a hora de uma política além mar, como nos velhos tempos de um Portugal audaz e forte?! Hoje, óbvio, já não seria como colonizador, mas, como parceiro comercial das antigas colônias e demais parceiros mundo afora. Essa é a idéia.

Daqui, torço pelo bem-estar dos amigos que deixei, e pela grandeza de Portugal como um todo. Por isso, torço por uma política mais altiva do governo português (mesmo entendendo que isso não vai acontecer através de um governo formado pelo PSD/CDS-PP). Para explicar o porquê não acontecerá no governo vigente, lembro de um fato ocorrido pouco tempo antes de minha volta ao Brasil.

Certo dia, estávamos a passear pela Av. Dos Aliados, no Porto, eu e um amigo português. Como de praxe, estávamos a falar sobre as últimas da economia. (Em Portugal, não é incomum o cidadão comum falar sobre economia). A última notícia era a ida de Vitor Constâncio, então Governador do Banco de Portugal (equivalente a Presidente do Banco Central, no Brasil), para assumir o cargo de Vice-Presidente do BCE – Banco Central Europeu. Meu amigo lembrara que sob a batuta de Constâncio, houvera diversos problemas com relação à regulação do sistema bancário português. Meu colega, indignado, emendou a dizer-me: - Agora o Constâncio vai trabalhar no BCE. Como é que eles o aceitaram por lá, depois do que ocorrera nos bancos daqui, sob a vigilância do gajo?!?!?. Eu lhe disse: - Provavelmente, é por este motivo que ele vai estar lá, pelo facto de ter deixado acontecer o que aconteceu nos bancos portugueses...!

Constâncio como tantos outros influentes na política portuguesa, é mais do mesmo, por isso a comunicação social lhe dá tanto crédito!

* João Aurélio é brasileiro. Viveu 5 anos no norte de Portugal, de agosto de 2006 a junho de 2011.

Nota Introdutoria: Paulo Medeiros

Texto: João Aurélio

Foto: Arquvo João Aurélio

Webmaster:Paula Medeiros



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