7.11.10

“A Alegoria da Caverna como Alusão ao Retorno do Ensino de Filosofia no Brasil”


Atendendo ao pedido de Jaime Filho, publico hoje importante estudo sobre aspectos do ensino e propagação da Filosofia no Brasil. Na proxima publicação teremos a segunda parte sobre o espiritismo.

Espero que gostem!

O Blog Lusitania abre espaço em condições especiais, para assuntos relevantes e autores convidados.

Nos deparamos com um problema de 2500 anos: o estudo da Filosofia.

Sem dúvida, na “República”, Platão já se refere à libertação dos condicionamentos e a libertação dos seres humanos da sua própria imaturidade filosófica e existencial ao referir Sócrates à alegoria da caverna.

De tal libertação dos condicionamentos fala Sócrates:

“- Como não – respondeu ele -, se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida?” PLATÃO, 1949, p.316.

Os seres humanos são herdeiros de um imaginário coletivo (é preferível esta terminologia, até porque a palavra “cultura” já conta hoje com quarenta e quatro definições). Como dizia o grande pensador Karl Marx:

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem (...) O peso das tradições de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.” MARX apud SIMÕES JUNIOR, 1985, p. 71.

Da mesma maneira, podemos ver que tal libertação propalada na “República” vem a ser atual; por sinal estamos diante da situação da volta do ensino de Filosofia no Brasil. No capítulo VII da República se vê a alegoria utilizada por Sócrates para significar a libertação da humanidade principalmente no ato de pensar corretamente, buscando a verdade em estado da liberdade exercida ao máximo.

O ensino de Filosofia foi banido pelo governo militar em 1971. Diga-se de passagem tal governo militar foi encerrado, veio a anistia em 1979 e o ciclo de presidentes militares chega ao fim em 1985; posteriormente, em 1989, é eleito por voto direto um presidente da república, eleição esta que não acontecia desde 1960. Muitos fatos políticos, portanto, sucederam-se no nosso país desde então, e tendo em vista que desde 15 de março de 1990 temos um novo ciclo, o dos presidentes eleitos pelo voto direto, sendo que só em 2006 teremos por força de lei federal a volta do ensino de Filosofia na escola brasileira.

Mas a questão é mais ampla do que os fatos meramente políticos e históricos.

A questão é mesmo filosófica.

Se desde 2006 estamos com a Filosofia ensinada e discutida nas escolas brasileiras, retomaremos o debate filosófico junto ao homem do povo. Discussão da filosofia com o povo, o que já preocupava os pensadores da Grécia Antiga.

Assim, este mesmo homem do povo, que desde os tempos de Sócrates e Platão tentava discutir os temas filosóficos, vai finalmente ter a oportunidade de fazê-lo na escola, tendo em vista que já vinha estudando filosofia no meio universitário várias décadas antes de 2006.

Finalmente vamos poder discutir em que contexto de 2500 anos está situada a importância primordial da discussão da liberdade de pensamento proposta por Platão com a alegoria da caverna.

Na referida alegoria as pessoas estão na situação de enxergar não a luz do bom senso e do exercício da liberdade de pensamento colocadas à porta da caverna, mas apenas observam a sua própria sombra, ou seja, a herança de erros que recebem com os pensamentos inadequados provenientes da família e do meio cultural em que vivem. E é um fato do qual não tem tanta culpa – quando tal pensamento inadequado é um legado até mesmo do sistema educacional em que estão inseridos. Ou mesmo herança do imaginário coletivo de um povo, no caso referido, os atenienses, mais particularmente falando, como cita Nickolas Pappas

“Se tais propósitos aludem a Sócrates como indubitavelmente parece, é porque os prisioneiros perpétuos representam os Atenienses, e não os cidadãos da cidade inexistente. (Daí as palavras de desalente de Sócrates, em 515a : ‘Eles são como nós’)” PAPPAS, 1995, p. 180.

Algo a se pensar e a se discutir. Se o próprio sistema educacional ensina a pensar de forma errada, será que o estudante tem culpa? E o amontoado de coisas absurdas ensinadas pela televisão?

“Os prisioneiros que olham, vesgos, as sombras e discutem sobre sombras representam todos aqueles cidadãos que acreditam no que os políticos e os artistas lhes apregoam” Id., ib., p. 181.

São mentiras e condicionamentos que vão terminar fazendo com que o homem do povo termine por ficar aprisionado em uma caverna imaginária a observar apenas a sombra, a sua própria escuridão, a própria insuficiência dos pensamentos e a irracionalidade do imaginário coletivo do povo em que ele esteja inserido. Como vimos na citação anterior, será bem mais viável que os políticos os dominem, sem falar em outros profissionais que visem dominar a consciência humana. E o curioso é que tal dominação baseie-se na inocência da pessoa, e eis mais um grande desafio filosófico-educacional que está no caminho de nós outros, educadores da filosofia – levar ao cidadão brasileiro (e do mundo) este conhecimento um tanto transcendental, para sermos um pouco kantianos – o conhecimento de quem é o HOMEM. E o homem no excelente conceito de Immanuel Kant, o homem enquanto pessoa transcendental a si mesma, e por sinal, o sujeito de Kant será o mesmo sujeito de Hegel.

Pensemos muito bem na grandiosa tarefa do professor de filosofia no Brasil: reabilitar o pensamento socrático-platônico que chega até Kant e Hegel, um pensamento transcendental, que liberta o homem de todo e qualquer condicionamento para levá-lo às altitudes de pensar infinitamente, como chegou a propor Descartes em uma de suas “Meditações”.

“Com efeito, já percebo que meu conhecimento aumenta e se aperfeiçoa pouco a pouco e nada vejo que o possa impedir de aumentar cada vez mais até o infinito” DESCARTES, 1973, p. 117.

E agora, no ano de 2010, estamos diante da tarefa de retirar os nossos estudantes (homens do povo, pessoas comuns) das situações repressivas e levá-los a observar a entrada da caverna em que foram colocados – a caverna em que todos nós estamos inseridos. A gruta do planeta dos condicionamentos onde vamos começar a exercitar a “luz” do pensamento filosófico, científico, do esclarecimento do bom senso e da razão.

Passamos pela Filosofia Antiga, pela Filosofia Medieval, pelo Racionalismo de Descartes e pelo Empirismo de Hume e Locke, vindo depois Kant pegando a herança do Racionalismo e do Empirismo, depois vindo Hegel e logo chegaremos à Filosofia Contemporânea.

É neste contexto de Mundo Contemporâneo, com todo o seu avanço tecnológico, dos meios de comunicação, dos grandes recursos energéticos, dos computadores, dos aviões a jato e do trem bala, onde podemos replantar com rapidez assustadora todos os muitos hectares de florestas que nós mesmos devastamos e reconstruir tudo o que foi destruído em guerras e alfabetizar um bilhão de seres humanos que ainda não sabem ler; é neste contexto que veremos a imensa atualidade filosófica, histórica e educacional em que está inserida a grande lição da alegoria da caverna – retomar o ensino da Filosofia, Antiga inclusive, onde estará de volta à discussão esta libertação defendida por Platão na República.

“A presente discussão indica a existência dessa faculdade na alma e de um órgão pelo qual aprende; como um olho que não fosse possível voltar das trevas para a luz, senão juntamente com todo o corpo, do mesmo modo esse órgão deve ser desviado, juntamente com a alma toda, das coisas que se alteram, até ser capaz de suportar a contemplação do Ser e da parte mais brilhante do Ser. A isso chamamos o bem” PLATÃO, ib., p. 321.

A questão do desafio do estudo da Filosofia Antiga é justamente este: colocar o avanço tecnológico e educacional a serviço do homem e do seu conhecimento de si mesmo, visando o posterior melhoramento do planeta.

Este em meio a uma revolução educacional, tecnológica e civilizatória. E é neste contexto que está inserido o estudo da Filosofia Antiga na escola brasileira.

É um permanente renascimento, aliás uma das principais intenções de Sócrates é fazer a maiêutica – o parto das idéias, o nascimento de uma nova criatura, o homem do povo finalmente livre, e livre para pensar, aprender e ensinar tudo, inclusive Filosofia.

Vejamos a definição de maiêutica por dois dicionaristas brasileiros:

“Maiêutica sf Na filosofia socrática, arte de extrair do interlocutor, por meio de perguntas, as verdades do objeto em questão.” FERREIRA, 2000, p. 439.

“Maiêutica, s. f. Processo pedagógico socrático que consiste em multiplicar as perguntas, a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto (Ginec.) arte de partejar, de fazer nascer; obstetrícia.”

Assim estaremos de volta aos ensinamentos socrático-platônicos, de volta à discussão da liberdade de pensamento, fato que preocupou inúmeros pensadores nestes 2500 anos, desde Sócrates e desde antes dele, a incessante vontade de ser livre para pensar e para viver.

E é o que queremos demonstrando esta necessidade para vermos a gigantesca importância da Filosofia Antiga no mundo de 2010, onde vemos em meio às grandes possibilidades tecnológicas e civilizatórias dos dias que passam, tão grandes são também as perspectivas do pensamento filosófico e científico, saindo todos nós definitivamente da “caverna” da escuridão do desconhecimento, para irmos na direção da “luz” de um planeta livre, de seres humanos pensantes e que exercem e exercitam a sua infinita capacidade de pensar.


BIBLIOGRAFIA:

1949. PLATÃO, “A República”, Lisboa, Portugal.

1985. SIMÕES JUNIOR, José Geraldo, “O pensamento vivo de Marx”, São Paulo – SP.

1995. PAPPAS, Nickolas, “A República de Platão”, Lisboa, Portugal.

1973. DESCARTES, René, “Meditações” in “Os pensadores”, São Paulo – SP.

2000. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, “O Miniaurélio Século XXI Escolar”, Rio de Janeiro – RJ.

1980. BUENO, Francisco da Silveira, “Dicionário Escolar da Língua Portuguesa”, Rio de Janeiro – RJ.




Texto: Jaime Clementino de Araujo Junior
Foto:Internet
Webmaster:Paula Medeiros






1 comentário:

Anónimo disse...

Thanks :)
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