5.3.13

NÃO EXISTE CÉU NO VATICANO



Desde a fundação da Igreja Católica Apostólica Romana que a luta pelo Poder sobre os humanos tem sido renhida entre famílias e grupos. Muitos têm sido os interessados em sentar-se na cadeira de Pedro e para isso tem valido tudo, desde a compra de votos e influências políticas a envenenamentos, assassínios e guerras armadas entre reis e estados.
Passada a Idade Medieval, dita catolicamente Idade das Trevas, entrou-se numa fase de “pacífica” hipocrisia em que nada é o que se diz e nem tudo o que de Verdade é.
Para melhor compreender o auto-fastamento do papado anunciado por Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) não fica mal a ninguém ler o seguinte artigo de Eduardo Febbro intitulado “A História Secreta da Renúncia de Bento XVI”:  


“Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender a sua facção. A hierarquia católica deixou uma imagem terrível do seu processo de decomposição moral. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.

Paris - Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu renunciar em março passado, depois de regressar da sua viagem ao México e a Cuba.

Naquele momento, o Papa, que encarna o que o director da École Pratique des Hautes Études de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama ?uma continuidade pesada? de seu predecessor, João Paulo II, descobriu num informe elaborado por um grupo de cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.

O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios a frente das instituições religiosas. 

Muito longe do céu e muito perto dos pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o Vaticano foi um dos Estados mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o mérito de expor o imenso buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de modernizar a igreja ou as práticas vaticanas.
Bento XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo II: ?desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos importantes que redigiu:
•        a condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986;
•        o Evangelium Vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da vida;
•        o Splendor Veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla?.
 
Esses dois textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão reacionária da igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do mundo moderno. 

O Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem na sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que simboliza a lealdade o lema diz ?dar testemunho da verdade?. Mas a verdade, no Vaticano, não é uma moeda corrente.

Depois do escândalo provocado pelo vazamento da correspondência secreta do papa e das obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado. Procurou mudar a sua imagem com métodos modernos.

Para isso contratou o jornalista estadunidense Greg Burke, membro da Opus Dei e ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox. Burke tinha por missão melhorar a deteriorada imagem da igreja. ?Minha ideia é trazer luz?, disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da igreja católica. 

A divulgação dos documentos secretos do Vaticano orquestrada pelo mordomo do papa, Paolo Gabriele, e muitas outras mãos invisíveis, foi uma operação sabiamente montada cujos detalhes continuam sendo misteriosos: operação contra o poderoso secretário de Estado, Tarcisio Bertone, conspiração para empurrar Bento XVI à renúncia e colocar no seu lugar um italiano na tentativa de refrear a luta interna em curso e a avalanche de segredos, os vatileaks fizeram afundar a tarefa de limpeza confiada a Greg Burke. 

Um inferno de paredes pintadas com anjos não é fácil de redesenhar. 

Bento XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais que, uma vez tornada pública a sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa.

Não é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em suprimir as sanções canónicas adoptadas contra os partidários fascistóides e ultrarreacionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as ditaduras de ultradireita do Mundo. 

Bento XVI não foi o sumo pontífice da luz que os seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier assinala a respeito que o Papa ?se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob o seu reinado?. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira.

O Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram no último ano têm a ver com as finanças, as contas maquilhadas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise actual. 

Em Setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o posto de presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano.

Próximo da Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992, Gotti Tedeschi participou da preparação da encíclica social e económica Caritas in Veritate, publicada pelo Papa Bento XVI em julho passado. A encíclica exige mais justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. Tedeschi teve como objetivo ordenar as turvas águas das finanças do Vaticano.

As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, o chamado ?banqueiro de Deus?, presidente do IOR e máximo responsável pelos investimentos do Vaticano na época. 

João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de se estranhar, pois devia-lhe muito. Nos anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro ?não contabilizado? do IOR para as contas do sindicato polaco Solidariedade, algo que Karol Wojtyla não esqueceu jamais.

Marcinkus terminou seus os dias jogando golfe em Phoenix, no meio de um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres.

No dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano. O seu aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçónica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus. 
Ettore Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos à frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas ?irregularidades? na sua gestão.

Tedeschi saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no momento em que o Vaticano estava sendo investigado por suposta violação das normas contra a lavagem de dinheiro.

Na verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções no Vaticano. Quando assumiu o seu posto, Tedeschi começou a elaborar um informe secreto onde registrou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia dinheiro sujo de ?políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado?. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas. 

Aí começou o infortúnio de Tedeschi. Quem conhece bem o Vaticano diz que o banqueiro amigo do Papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do banco com o respaldo do secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento do banco. A sua destituição veio acompanhada pela difusão de um ?documento? que o vinculava ao vazamento de documentos roubados do papa.

Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do Papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção.

A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo suicida, protecção de privilegiados, circuitos de poder que se autoalimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo pontual e decadente da própria decadência do sistema”.
(Tradução: Katarina Peixoto)

Texto introdutório de Marques Pereira
Foto: ANI
Webmaster: Paula Medeiros



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